Manhã fria e chuvosa em São Paulo. Dizem que é o dia mais frio de 2013. Estaciono a moto na frente do antiquário e, apesar de ser um pouco mais de dez da manhã, o céu escuro e cinza faz parecer que a noite se aproxima. O farol ilumina a entrada e, ali surge Belloto com seus quarenta anos, fumando um filtro vermelho e me olhando. E desaparece. Desço da moto, entro e me desmonto. Ele está na sala de negócios do antiquário, já preparando um chá mate.
“Faz tempo que você não aparece.”, diz ele.
“Vida corrida. Não ta fácil pra ninguém.”
“Eu sei que não.”
E silêncio. O cara é bom nisso. Sabe que, se eu apareci, tenho algo a dizer e, quanto mais demoro, mais sério é o assunto. Mas ele não se antecipa. Aguarda paciente, tragando o cigarro enquanto aguarda a fusão erva-água.
“Consegui uma editora para publicar suas histórias.” – Ele se mantém impassível – “O Escobar Franelas me indicou...”
“O escritor?”
“Sim, o escritor. Ele me indicou a um amigo, que me levou à Kazuá.”
“Kazuá. Casa. Irmandade. Brotherhood. New Order… Bom, prossiga.”
Calei-me para refletir. As linhas de raciocínio do Belloto tem este efeito, às vezes.
“Você autoriza?”
“Já não autorizei?”
“Você autorizou uma pequena edição artesanal. Estou falando de uma Editora. Pode não dar em nada, mas também pode se tornar algo grande. Pessoas e mais pessoas vão ler suas histórias, saber de sua vida, e não serão meus amigos. Tem noção disso?”
“Dez, cem ou mil... Não fará diferença pra mim.”
Apagou o cigarro e levantou-se, levando o bule para a cozinha. Olhei para a xícara na mesa e adocei o chá. Alice Liddel não fez bem a este homem. Antes o tiro o tivesse matado por inteiro, e não só a alma.
“Por que?” – voltou ele, me perguntando com outro cigarro na mão.
“?”
“Por que publicar isto agora, depois de tanto tempo?”
“As pessoas não mudaram, Belloto. Muita gente se encontra nos seus desencontros. A sinceridade referente a sexo e drogas, as neuras juvenis, as relações amorosas que... enfim, estas coisas todas da juventude...”
“Todas essas coisas que não se vão com a idade... Maturidade não existe. Você sabe. Acredito que, mais que muitos, você sabe disso perfeitamente.”
Desconcertante. Considerei sair dali o mais rápido possível. Estava eu velho demais para aquela baboseira toda? Será que o Belloto virou só mais um babaca?
“Foi mal. Ando amargo estes dias. CONTOS DE BELLOTO, o livro, enfim. Sim, vai ser ótimo. Que bom que as pessoas gostam de ler sobre isto. Você vai ganhar muito dinheiro?”
“Não pensei nisto.”
“Nunca pensou. É verdade. O editor é decente?”
“Me parece que sim. Um gaúcho com bons ideais.”
“Gaucho. Rio Grande do Sul. Júpiter Maçã. Vander Wildner. Engenheiros do Hawaii. Terra de gigantes... Sim, pode da certo. Acredito que sim. A chuva parou. Disseram que amanhã o sol começa a voltar timidamente. Teremos dias quentes, mesmo no inverno, meu amigo.”
Tirou os olhos lá de fora, me olhou e sorrio. Fiz o mesmo. Ele acendeu outro cigarro de filtro escuro e a conversa girou em torno de outras coisas. Ao meio dia me convidou pra almoçar, mas eu estava sem fome. Aproveitei o estio e fui vagar de moto por São Miguel.
Há anos não encontrava Belloto. Sua alma estava pesada e, se bem o conheço, digo que andou mergulhando em alguma desventura. Digna de se transformar em livro. Mais pra frente, talvez. No momento, devo me concentrar na publicação de DESPEDAÇANDO FANY, pela Editora Kazuá. No mais, como meus leitores compreenderiam este Belloto hoje sem saber o que aconteceu em sua vida quando acendeu um pavio chamado Fany?
DESPEDAÇANDO FANY
Editora Kazuá
(Lançamento previsto para Setembro de 2013)
Belloto, qualquer dia desses vou fazer uma visitinha a você. Mas prefiro café.
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