domingo, 17 de fevereiro de 2013

A VIAGEM DE MÁRCIA

Um conto sobre prazer, realizações e fidelidade. Do trabalho TEORIA DA FIDELIDADE.



A VIAGEM DE MÁRCIA

            Deixar o marido com as duas pequenas filhas foi algo que doeu muito  em Márcia. Mas ela é uma mulher moderna e independente, e foi por isto  que o marido se apaixonou por ela. A personalidade forte, bem torneada e sem medo de desafiar o mundo. Márcia é uma mulher e tanto! Em seu carro do ano passado, ela cruza rodovias e rodovias, até chegar ao um hotel no interior do outro Estado ao lado de São Paulo para um conferência nacional de sua empresa. Após  estacionar o carro e mostrar suas credenciais, foi conduzida por um jovem até seus aposentos. Uma pequena suíte com tv, som, telefone e frigobar. Sentou-se na cama e, antes mesmo de tocar nas malas, telefonou para casa:

            - Oi, amor. Acabei de chegar. Dirigir por três horas e meia seguidas até que foi divertida. Estou meio cansada. Vou tomar um banho e me informar sobre os outros convidados. E as crianças? Que bom, amor. Sei, eu também queria estar com você, mas são só dois dias, e depois teremos todo o tempo do mundo para nos amar. Eu sei que você como é importante pra mim esta conferência. Representar minha empresa é um passo para a próxima promoção... Desde que tudo corra bem.(risos) Você está certo, paixão; o que poderia dar errado, não é mesmo?(seriedade) Te amo. Te amo muito.

            Conversam mais meia hora coisas que somente um casal que nada tem a dizer, a não ser "gostaria de estar com você" sabem conversar. Ela desliga e toma seu banho, demorando-se o suficiente para achar que o banho demorava. Vestiu-se e deitou na cama. Fechou os olhos por um instante, mas quando o abriu já era  seis da manhã. Estranhou o fato. Dormira oito horas seguidas, de tão cansada que estava. Por que não havia se dado conta antes de que estava tão cansada? Abriu e fechou as mãos repetidas vezes. Olhou as pernas bronzeadas em busca de algum sinal de varizes. Nada. Trinta e dois anos, duas filhas e nada de varizes. Refletiu por um momento, despiu-se e foi ao espelho. Ainda aparentava ser  uma pós adolescente. Todos diziam "Trinta e dois? Meu Deus, eu não lhe daria mais que vinte e cinco!". Sorriu. Duas filhas – parto natural! –  e toda a sexualidade do mundo em seu corpo moreno e conservado. Fazia o marido feliz... O Marido! Dois anos mais velho e vinte anos de envelhecimento corporal. Desgostou-se e foi vestir-se. Possivelmente a cerveja no bar com os amigos, ou a vida sedentária enquanto ela, além de trabalhar, enfrentava algumas horas de academia toda a semana. E para quê isto? Para evitar que o marido olhasse para outras mulheres que não ela. Mas ele olhava. Todos os homens olham... Todos são... Tão parecidos... Quase idênticos! Olhou o relógio. Sete horas. Hora do café. A conferência começaria às oito. Colocou um  Luís XV nos pés e saiu da suite.  

 

 

            "Os assuntos de sempre!", pensou Márcia. Sua empresa estava há muito à frente das outras. Os assuntos e problemas que eram pauta da conferência, na maioria das vezes, eram casos que sua empresa já havia resolvido. Ela mesma havia dado a solução para muitos casos. Certamente, as pessoas acabaram por perceber a presença daquela mulher-menina que falava com tanta propriedade sobre vários assuntos ligados àquela área. Não devia ter mais que um metro e sessenta e cinco, cabelos longos e olhos levemente esverdeados, em contraste com a pele bronzeada, quase morena, quase branca, quase... irresistivel ao olhar masculino. E sorriu; os homens a olhavam com seus olhos de raposa, e ela sorria de desdém. Nunca a teriam. Nunca a provariam. Ela estava acima de todas as mentes, de todos os corpos. Márcia era uma deusa, intocável.

            Na mesa de almoço, junto a outras pessoas da conferência, a conversa fluía. Muitos lamentavam o estado civil de Márcia, mas, ao olharem as fotos, diziam que esperariam para se casarem com uma de suas lindas filhas que, apesar de não terem mais que sete e nove anos, já mostravam o traço de beleza e inteligência da mãe. Ela sorria. Ninguém comentava o marido. Ninguém, nem as mulheres. Nem por pena ou por gentileza. Era como se não estivesse na foto que ela sempre trazia na bolsa. Temia que alguém perguntasse. "É sério!? Uma mulher como você com um homem como este?". "Eu o amo, e daí?", ela responderia. Eles fariam aquela cara e dariam com os ombros, ou pensariam "Deus salve o amor!" ou "O amor é cego mesmo!". E Márcia apenas recordaria seu amado ao dezoito, dezenove anos, com seu porte atlético e sorriso cristalino. Mas não são as mulheres que costumam engordar e criar barba e mau hálito com o tempo? A maioria das mulheres casas lembravam rolhas de poço, pizzas gigantes e elefantes verdes. Márcia tem verdadeiro horror a isto. Destruir o corpo seria como destruir a mente, e vice e versa. O corpo era reflexo de sua mente... Imaginou a mente do marido. Por um momento sentiu ânsia. Pediu licença e saiu da mesa, indo direto ao banheiro. No caminho, quase derrubou um dos funcionários do hotel. Ele  desculpou-se, sendo que a culpa era dela, mas ela mal ouviu. Correu ao banheiro e sentou-se  no vaso sanitário. Havia no ar um cheiro de eucalipto, o que fez com que ela relaxasse. Fechou os olhos por um momento e escutou alguém batendo na porta. Era uma das mulheres que estavam à mesa com ela.

-          Você está bem, Márcia?

-          Sim, estou. Só mais um minutinho.

-          Tem certeza?

-          Tenho.

-          Está certo. Eu vou te esperar lá fora.

Márcia ficou mais um pouco e saiu.  O refeitório estava deserto. Só a mulher a esperava. Ela se deu conta que havia demorado um pouco no banheiro. Não ousou olhar o relógio; preferiu os olhos da colega de profissão.

-          Quanto tempo?

-          Quarenta minutos.

Márcia começou a chorar. A nova amiga não sabia o que fazer. Olhou para todos os lados e abraçou a desconhecida, levando-a para a sacada do hotel.

-          Ei, o que está havendo?

-          Nada. Me desculpe.

Ela olhou para Márcia como se pudesse ler sua mente e deu um triste sorriso antes de dizer a palavra mágica:

            - Homem. – Só restou a Márcia balançar a cabeça positivamente – Sempre eles! São todos iguais e nada valem! Amante?

            Márcia a olhou um tanto espantada e ofendida.

-          Marido.

-          Pior do que pensei! Traição?

Márcia parou de chorar. Traição? Seria? De certa forma, sim. Mas o que ele havia traído? Enxugou os olhos, agradeceu a estranha pela atenção prestada e foi para o elevador, sem mais nada dizer.

Em seu quarto, deitada na cama, começou a pensar em divórcio. Mas, e a filhas? Não, não podia se divorciar – já havia sido criada pela mãe, sem a presença paterna, e não queria isto para as filhas. Neste momento, bateram na porta. Pelo olho mágico,  viu que se tratava de um jovem, empregado do hotel. Abriu a porta?

-          Pois não?

-          A senhorita Dolores me disse que precisava de mim.

-          Não preciso.

-          Não mesmo? – E a olhou deliciosamente.

          -  Não. Obrigada. – E fechou a porta. Dolores? Abriu novamente e fez um "psiu", pois o jovem já havia dado alguns passos. Ele sorriu e voltou faceiro. – Quem é Dolores?

-          Sua amiga, que almoçou a pouco com a senhorita.

-   Ela não é minha amiga. – curiosidade; sempre ela! – E no que ela supõe que eu precise de você?

- Consolo.

Márcia fechou a porta do quarto violentamente, fazendo o som ecoar por todo o andar. O que Dolores estava pensando? Que era uma vagabunda? Uma infiel com o seu amado marido?

Deitou-se na cama e decidiu esperar a hora passar. Logo mais, à noite, todos os participantes da conferência se encontrariam no salão de jogos para a integração do grupo. Ela diria poucas e boas para Dolores e, com certeza, estragaria qualquer oportunidade de negócios que ela tivesse na Capital. Conhecia e era temida por todos na Capital... Aquilo não ia ficar barato! E batem na porta novamente. Márcia abre a porta violentamente; Dolores está à sua frente séria, com olhar penetrante. Desviando-se daquele olhar, Márcia a pegou pelos cabelos e lançou-a na cama, furiosa e brutal como havia sido certa vez no colégio.

-          Qual é o problema, Márcia? Você é louca?

- Eu, louca? E por acaso, você  é? Enviando um garoto de programa ao meu quarto, pensando que sou uma mulher decaída e carente?

-          Eu pensei que uma transada iria te fazer bem.

-          Talvez você seja assim, mas eu não sou! Já tenho um homem em casa!

 

 

 

-   Eu também tenho um homem em casa, mas o que você quer que eu faça se aquele gordo nojento não é capaz de me dar prazer? Só sabe subir em cima de mim, bufar e ejacular como um porco? Você tem a minha idade, Márcia, o meu corpo,... A gente se cuida tanto com medo que o amor deles por nós  acabe, e o que recebemos em troca? Um homem descuidado e sedentário. Não foi isso que eu quis para meu casamento... Transar com rapazes alivia meu fardo de prazer, a compaixão e a dó substituem o amor e eu sou capaz de suportar meu casamento, enquanto meus filhos crescem.

Márcia olhava Dolores e entendia bem o que ela dizia, mas não deixava de achar tudo aquilo imoral e sem sentido. Ir para cama com outro homem que não o seu... Lembrou-se do jovem e de seu sorriso maroto. Ele não havia feito suas filhas, não a levou para o hospital sob a chuva e nem assistiu ao nascimento delas. Não, aquele moleque de nada sabia; apenas tinha um corpo bonito e um pênis... e um pênis...

- Eu não vou trair meu marido, Dolores. Não com um  garoto que nem ao menos sabe o que é Ter experiência de vida.

- E quem falou em traição? É só prazer; é como comer um doce, tomar um drink... Não é nada sério, nem compromisso, nem paixão. É um estimulo e um momento. Nada mais. Você nunca se masturbou por outros homens que não fosse seu marido? Nunca fechou os olhos e imaginou que era outra em cima de você, e não ele? Será que quase não disse outro nome sem querer? Ou você  é daquelas que fazem tudo muda, com medo de que seus desejos escapem pela boca? Eu amo meu marido, Márcia. Amo o pai de meus filhos. Mas ele não me dá mais prazer. E eu preciso sentir prazer!

Não havia o que dizer. Márcia abriu a porta.

- Obrigada pela boa intenção, Dolores, mas não se preocupe. Quando eu quiser fazer sexo com alguém, eu mesmo chamo.

Dolores levantou-se e ajeitou os cabelos.

- E você acha que seu marido nunca fez nada disso que eu falei? Não seja idiota, Márcia. A fidelidade  sexual é uma fantasia religiosa. É como esperar a volta de quem já morreu.

            - Até mais, Dolores.

Dolores saiu do quarto e Márcia fechou a porta. Há louco para tudo! Pegou o telefone com impulso, para contar o acontecimento para o marido. Afinal, sempre contavam tudo um para o outro... Não. Ela sempre contava as coisas para ele. Colocou o telefone de volta à sua base e passou a mão pelos cabelos. Talvez devesse conversar sério com o marido sobre atividades físicas. Ele ainda era jovem, podia voltar a Ter um corpo bonito como o do rapaz...O do rapaz. Márcia tomou outro banho demorado, e teve cuidado para não sujar a mão com o sabonete, a fim de que não irritasse sua pele mais sensível do corpo.

 

 

            Depois daquele episódio, Márcia evitou aproximar-se de Dolores, e por sorte não via o jovem transitando pelo hotel. Seria constrangedor revê-lo. As palestras e trocas de experiências seguiram-se durante mais um dia, e, como sempre, Márcia destacava-se dos demais. Era, de fato, uma mulher fascinante. O marido a merecia? Merecendo ou não, havia as filhas, e ela sabia muito bem o que era crescer sem um pai do lado. E seu marido era um ótimo pai, um amigo extraordinário e carinhoso. Só? Controlou-se para não chorar. Era a última palestra da tarde. Então, poderia voltar para seu quarto, arrumar suas malas e partir.

            Palmas! Todos de pé, cumprimentando-se e despedindo-se ali mesmo, no salão de convenções. Muito partiriam ainda à tarde. Márcia decidiu ficar e dormir. Partiria de manhã, descansada e alimentada. Despediu-se de todos e foi para seu quarto, ligar para o marido.

            - Oi, amor. A última palestra acabou de acontecer. Amanhã cedinho estou voltando para casa. Prepara um almoço gostoso, que eu vou chegar por volta da uma. As crianças estão bem? Deixa eu falar com elas. Oi pequena, tudo bem? Papai cuidou bem de você? Ele comprou chocalate? Que bom, amorzinho! Amanhã mamãe já tá aí, tá bom? – E batem na porta – Espera um pouquinho, que eu tenho que atender a porta.

            Márcia abre a porta. Era Dolores.

-          Vim me despedir.

-          Estou ao telefone, com a minha família. – Ríspida e seca foi Márcia.

- Não se preocupe. Sua chance foi desperdiçada. Ele está de folga e só voltará depois que todos tivermos ido embora. Você é  uma tola. Se eu fosse você, o levaria para cama, e o trataria como se fosse sua primeira vez... Até mesmo a minha primeira vez. 

Dolores sorriu e mandou um beijinho para Márcia, mesmo estando perto o suficiente para beijá-la. Márcia fechou a porta e voltou para o telefone.

 

Não dormiu à noite, pensando em casa. As filhas estavam bem e com saudades, assim como o marido, que estava ansioso por  sua volta. Márcia pensou nele e chorou durante toda a noite. Sabia que não o amava mais. Não como homem. Era tudo uma farsa, e em nome da criação de suas filhas, esta farsa prosseguiria até quando não fosse mais necessária. Talvez o "não fosse mais necessária" acontecesse quando ela jás avançada nos anos. O corpo, por mais conservado que ficasse, deixaria de ser atraente, mais cedo ou mais tarde. Tão jovem, tão bela quanto Dolores... Amada por um homem tão desarmonioso.

 

O Sol nasceu. Alguém bateu na porta.

-          Serviço de quarto.

-          Entre.

E o garoto entrou. Não devia ainda ter dezoito anos e, pelo susto que levou ao ver a pequena e muída morena em trajes de sono, nunca antes tocara em uma mulher. Desviou o olhar e fez menção de sair. Mas a dama pediu para que ficasse, entrasse e trancasse a porta. Perguntou seu nome. Era João. Pediu para que se aproximasse da cama. Perguntou a idade. Dezessete. Nunca havia antes saído do interior. Rezava aos domingos na pequena capela do local. Márcia sorriu, e disse que sentasse na cama, pois não iria mordê-lo. Ele sentou-se. E ela mentiu.

 

 

            Quando chegou em casa, duas horas depois do horário previsto, disse ao marido que havia dormido demais. As  filhas abraçaram e beijaram o rosto jovem da mãe. Era ótimo está em casa. O marido abriu uma cerveja em lata e tomou-a de um gole só, com prazer e volúpia. Márcia lembrou-se de João chegando ao orgasmo pela primeira vez na vida e sorriu. Amava as filhas, amava o marido. Amava e necessitava de prazer.

 

(9.10/05/03 – 1:49hrs)

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